De acordo com o último boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria Estadual de Saúde do Paraná (Sesa-PR), desde agosto de 2015, o Estado já registrou 7.360 casos de dengue – só em 2016 foram 11 vítimas fatais da doença. Atualmente, 16 municípios estão em situação de epidemia.
Além disso, o Paraná já confirmou casos de 11 gestantes contaminadas com o vírus zika. No total, são 84 casos de zika registrados desde agosto de 2015, sendo 32 autóctones, 38 importados e 14 em investigação para determinar a origem.
O professor Mario Antonio Navarro da Silva, do Departamento de Zoologia da UFPR, trabalha há vários anos na Universidade pesquisando mosquitos, em especial o Aedes aegypti e o Aedes albopictus. Graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Londrina, possui especialização em Oceanografia pela Universidade de São Paulo e doutorado em Ciências Biológicas (Entomologia) pela Universidade Federal do Paraná.
Em entrevista ao portal da UFPR, Navarro adverte sobre os riscos do descuido do poder público em relação à vigilância entomológica, do abuso de inseticidas e avisa: temos que agir agora, não dá mais para brincar.
– Como é o trabalho do Laboratório de Entomologia Médica e Veterinária da UFPR?
No laboratório, temos uma linha de pesquisa com a família Culicidae, dos mosquitos – no caso o Aedes aegypti e o Culex quinquefasciatus. O laboratório começou tentando primeiro conhecer a diversidade de mosquitos, mapeando quais espécies a gente tinha nas áreas urbanas e florestais e os potenciais vetores. Então, à medida que fomos angariando recursos com fomento de pesquisa, nos aproximamos do Aedes aegypti. Dentro [da pesquisa] do Aedes aegypti, a gente fez trabalhos de, por exemplo, detecção do vírus ainda no vetor. Esta seria uma forma de trabalhar a vigilância entomológica – ir à campo ver como estão os índices de infestação do vetor – com um pouco mais de eficiência.
São realizados trabalhos com coleta de mosquitos de áreas específicas, para a identificação dos vírus que circulam nos vetores. Outra frente é a investigação da diversidade genética das populações de mosquitos. Também são realizadas pesquisas de resistência dos mosquitos frente aos inseticidas utilizados – o laboratório dispõe de uma colônia de mosquitos não infectados provenientes dos Estados Unidos que são usados como fator de controle para estes testes.
Isso é muito importante para determinar se você está usando uma quantidade inferior de produto para matar aquele inseto ou se está usando tanto produto que começa a selecionar, dentro desta população, insetos que são resistentes. Estes, começam a se multiplicar e, em um determinado momento, não tem mais [insetos] suscetíveis [aos efeitos dos venenos]. E para esse quadro ser revertido demora muito.
Então, temos trabalhos de que avançam na parte aplicada – com a detecção de vírus, resistência – e trabalhos de ciência um pouco mais básica – procurando conhecer mais detalhes sobre o vetor.
A gente também mantém uma outra linha de pesquisa, um pouco menos relevante no cenário atual, com ecotoxicologia, observando o efeito desses produtos [inseticidas e larvicidas] na natureza. É por isso que hoje eu sou totalmente contrário à utilização desses produtos na área urbana, porque a gente está jogando isso diretamente sobre as pessoas ou fazendo as pessoas beberem o produto. A gente não pode chegar a esse ponto.
– Quais mosquitos transmitem a dengue, o zika e a chicungunya? Há uma diferenciação?
No Brasil, você tem um mosquito que faz esse trabalho: todos os fatores apontam que o Aedes aegypti transmite os três e a febre amarela também, quando contraída na cidade (na mata, são outras espécies que transmitem). Só que você tem outras espécies no ambiente urbano que potencialmente podem transmitir o vírus – o Aedes albopictus é um deles. Ele pode transmitir? Pode. Mas a gente ainda não tem elementos suficientes para dizer que ele está fazendo esse papel. A comprovação se dá quando achamos o vírus dentro do mosquito e conseguimos testá-lo para ver se ele leva o vírus de uma pessoa para outra ou de um hospedeiro para outro – e isso é feito num laboratório.
O meu sonho é que a gente conseguisse construir um laboratório com esse nível de segurança dentro da UFPR, onde pudéssemos desenvolver isso. Hoje eu não posso. Mesmo que eu quisesse fazer isso, teria que ser feito de uma maneira precária e isso não se faz com saúde pública.
Então, temos o Aedes aegypti e temos outros potenciais vetores porque todos têm o mesmo papel: sugar sangue para o desenvolvimento dos ovos.
– Qual o papel da Universidade neste momento?
Nós precisamos desenvolver métodos para lidar com esse problema com calma. E é aí que está a diferença. Isso não vai ajudar a gente a resolver o problema já, mas vai criar uma base para evitar que o problema se repita desde que o Estado faça o papel de colocar em prática a vigilância antecipada para que a gente não viva numa emergência. Porque numa emergência é difícil tentar achar a solução, resolver o problema, pesquisar e começa a ter tiro para todo lado e a disseminação de informações desencontradas.
Uma das minhas maiores preocupações com esse mosquito é que ele é muito “politizado”. Ele tira e dá votos, criando um ambiente complicado. E, ao mesmo tempo, tira vidas e dá dinheiro para muita gente. Só que esses componentes – que ganham e perdem votos e que ganham dinheiro – talvez não estejam preocupados com o terceiro ponto, que são as vidas humanas perdidas ou comprometidas. É aí que vem o papel da universidade, porque, com a liberdade acadêmica, aqui é o lugar para revelar fatos que talvez sejam inconvenientes para estes outros atores.
– Qual o senhor acha que é o motivo de toda essa movimentação por causa da epidemia do vírus zika, quando já lidamos há tanto tempo com a dengue, mas sem essa campanha tão contundente?
O que acontece com a dengue é que ela não deixava uma herança visível. Isso que eu estou falando não é novo. Ela marcava as famílias que perdiam seus entes, uma mãe que perdeu um filho, um filho que perdeu a mãe ou o pai, a dor era individual. Os números não eram muito elevados, passava o verão e as notícias iam arrefecendo… Só que agora não, agora tem uma criança.
– E também não tinha essa atenção internacional, era problema de país subdesenvolvido.
Isso, era coisa do Brasil. “O brasileiro lá sofrendo com dengue? Ah, é um ou outro brasileiro, mas eles são muitos, né? Então não tem muito problema”. Não era um problema do mundo. Só que agora é uma doença diferente. Pelo que a gente está vendo até agora, salvo melhor juízo e informação dos infectologistas, [o zika] não mata, mas pode deixar uma herança, que é a criança marcada pela microcefalia.
Só que agora não dá mais para esquecer, porque [a criança com microcefalia] está lá. E todos os indícios estão apontando para isso, para o vírus afetar o sistema nervoso. Então aí é que está a histeria. O político não vai poder esquecer do zika no inverno, o sistema de saúde vai ser pressionado, a grávida vai precisar de atenção, a criança vai precisar de atenção. E eventualmente isso pode afetar não só pessoas da periferia, de cidades menores ou que não têm recursos.
Nós tivemos um desastre. A partir dos desastres, a gente pode fazer duas coisas: tirar uma lição, para que eles nunca mais ocorram, ou continuar assistindo a sua repetição. Com a dengue, a gente assimilou a repetição, se habituou ao desastre. Se a gente se habituar, se a gente aceitar esse desastre atual, é melhor desistir. Se eu tenho esse desastre na mão, eu posso buscar a causa. Foi falha humana – do cidadão no seu quintal e o poder público no município, no estado e no país como um todo.
Ou a gente para, analisa tudo que fez de errado – e a gente tem um histórico de mais de 40 anos fazendo a coisa errada [no controle da dengue] – e dá atenção à vigilância sanitária, ou veremos esse desastre se repetir.
– Quanto à proliferação do mosquito, qual o maior desafio? Há algum problema específico do Brasil?
Vou começar pelo Brasil. Eu acho que o maior desafio do Brasil são as diferenças entre norte e sul. Enquanto no sul nós temos um inverno com temperaturas inferiores a 15° C, no norte, temos um inverno com temperaturas acima de 25° C. Enquanto numa região do país temos um verão seco, tem também um verão chuvoso. Então, não se pode dormir tranquilo. Não dá para pensar, “Ah, no sul, acabando o verão as temperaturas vão abaixar e não vamos ter mais mosquito”. Ledo engano, pois lá em cima continua quente. O maior desafio é esse.
Outro é relativo à cultura diferente. Nas regiões mais ricas do Brasil, o que nós mais produzimos é lixo, que não tem um destino correto, que não é reciclado – e acumula água. Em outros locais, como não se tem tanto recurso, não há tanto resíduo, mas falta água. Então, tenho que armazenar em um lugar grande e as autoridades vão lá e jogam inseticida [na água armazenada]. Aí eu perguntaria para quem determina isso: “Você beberia essa água com inseticida todo dia – sendo ele autorizado ou não pela autoridades?”
Temos uma diversidade de comportamento muito grande no Brasil, por isso as estratégias vão ter que ser locais e respeitar as prioridades locais. Por isso esse desafio se reflete no cenário mundial, já que também precisamos de estratégias específicas para cada país, cada estado, cada cidade afetadas.
– O mosquito está ficando mais resistente?
Sim, ele está ficando mais resistente ao inseticida. Como nós temos poucas moléculas disponíveis e autorizadas para matar o inseto, na forma de larva ou adulto, quando eu uso o mesmo produto por muito tempo, alguns indivíduos, dentro da sua diversidade genética, têm a capacidade de desintoxicá-lo. Ou seja, aquele produto ou não tem efeito para ele ou precisa ser aplicado numa dose muito alta. E assim vou selecionado as populações mais resistentes até um momento que ele não adianta mais. Aí eu mudo de molécula, que, além de poucas, são tóxicas também para o ser humano.
A utilização de inseticidas é um risco muito grande, é uma arma que não poderíamos estar usando. Essa arma tem um efeito colateral. Será que eu não consigo combater o mosquito de outra forma, sem usar essa arma que sempre vai, fatalmente, selecionar o inseto para a resistência? A gente tem que mudar a base, a cidade, aumentar a vigilância, acabar com os criadouros.
E se for para usar, o político tem que dizer quanto ele vai usar, qual molécula vai usar, por quanto tempo, e se vai haver um monitoramento da quantidade de vetores ou não. Ou ele está simplesmente jogando para ver no que vai dar, esperando que diminuam os casos de dengue no hospital? Se for assim, então melhor não usar. Tem que ser uma ação planejada.
Nós podemos dizer que esse é um método fadado ao fracasso, porque ele tem uma data de vencimento. O vencimento é quando essa população atingir um nível 3 de resistência – ou seja, for três vezes mais resistente do que a população referência. E isso acontece rapidamente, dependendo da intensidade [com que são aplicados os inseticidas].
– Qual seria, na sua opinião, a melhor tática para resolver essa crise com o zika e as outras doenças transmitidas pelo Aedes aegypti?
Vigilância entomológica. Com eliminação dos criadouros, uma estrutura urbana adequada em que a água fosse fornecida com regularidade, o lixo recebesse o destino adequado, não se acumulasse na rua ou em lugares públicos, que tivéssemos os cursos de água que passam pelas cidades realmente fluindo, para que essa água não fique parada. Ou seja, melhorar a qualidade de vida das cidades, não só na área central, mas em toda a cidade. Ter o poder público cuidando disso, aliado ao próprio cidadão.
Paralelo a isso, em determinadas situações, aí sim poderíamos usar outras ferramentas, como armadilhas, por exemplo. É difícil? É. Mas a gente precisa começar. Já. Não dá mais para brincar.
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