Para fazer jus ao tema da 9ª Semana Integrada de Ensino, Pesquisa e Extensão (Siepe) da UFPR, que busca apresentar a universidade como espaço para discussão, a programação desta terça-feira (3) contou com três mesas redondas simultâneas no Campus Jardim Botânico, em Curitiba. Aberta na noite de segunda, a Siepe será encerrada nesta quarta, no mesmo campus (veja aqui as programações em Curitiba, Jandaia e Palotina).
Duas das mesas redondas trataram de temas do cotidiano da comunidade universitária: as possibilidades proporcionadas pelo ensino à distância em épocas de crise e a internacionalização da produção científica. A terceira abordou as políticas públicas relacionadas a drogas e foi a que reuniu maior público.
Ensino à distância
A mesa redonda “Quem tem medo da Educação à Distância?” buscou desmistificar alguns preconceitos sobre o assunto. A professora Graciela Bolzón de Muniz, vice-reitora da UFPR, e o professor Frederico Vieira Passos, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), discutiram as potencialidades e cuidados que a educação mediada pode ter.
Passos falou sobre a experiência na universidade de Viçosa e do seu projeto que busca estabelecer uma rede de oferta de disciplinas cursadas via Internet para um maior intercâmbio entre as instituições do Ensino Superior.
Para Passos, muita gente confunde a modalidade com má qualidade na educação. “O ensino presencial quando não é de qualidade também é precário, depende de como você conduz, da metodologia. Da mesma forma [ocorre com] o ensino à distância mal concebido, mal conduzido; será precário. Não dá para dizer que um será de má qualidade e o outro de boa, um tipo pode fazer uso mais intensivo da tecnologia e pode ser chamado à distância, mas ambos são o mesmo processo de ensino”.
O professor destacou três pontos-chave para o cuidado com a qualidade: disponibilidade de materiais diversificados, possibilidade de interação (entre estudantes e entre estudante e professor) e um bom projeto pedagógico. E indicou que a interação por meio da tecnologia é um processo crescente.
“Usar as tecnologias no processo de educação está se tornando obrigatório, isso é um caminho natural, todo este esforço de integrar estas tecnologias, integrar parte da carga horária fora da sala de aula, para determinadas atividades, integrar materiais diferentes, vai neste sentido” explica o professor, que afirma que isto vai resultar numa educação mais enriquecida. “Com bons materiais nós podemos tornar nossas aulas muito mais eficientes onde o professor não gaste tempo apresentando conteúdos mas fazendo o debate em torno do que já foi apresentado para o estudante por meio da tecnologia”.
Passos fala ainda de pontos positivos em relação à universalização, destacando a possibilidade de substituir a carga horária presencial em cursos noturnos, por exemplo, por atividades mediadas que poderiam ser cumpridas fora da universidade dando possibilidades a mais pessoas de frequentar os curso, bem como da importância de polos para atingir pessoas que não tem a possibilidade de se deslocar até as instituições de ensino superior.


Internacionalização
Os professores Luiz Maximiliano Santin Gardenal, do Departamento de Letras Japonês, e Clóvis Ultramari, do Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento, apresentaram os benefícios, mas também as frustrações que podem advir da experiência internacional. “É uma pena que não pude fazer essa palestra em épocas mais recentes, em que as bolsas eram mais fáceis de ser obtidas”, comentou Ultramari. “Mas meu conselho é: internacionalize-se. É bom para a produção acadêmica e para as relações pessoais”.
A língua é um fator importante a ser considerado pelo estudante que busca experiências internacionais. Ultramari reforça que instituições estrangeiras estão cada vez mais abertas a estudantes estrangeiros, por isso o inglês vem sendo adotado como língua principal nos programas de várias delas. “Quem escreve apenas em português será lido apenas por quem entende português”, compara Gardenal.
A questão é: não se pode subestimar esse aprendizado, uma vez que artigos científicos tratam de assuntos em profundidade. “Não vale apenas ‘se virar’ na língua. Esse aprendizado não é fácil e sempre haverá alguma limitação [em relação à língua materna]”, diz o pesquisador.
Gardenal ressaltou, porém, que internacionalização “não é sinônimo de anglicização”. O conselho dele é que o pesquisador defina desde cedo sua linha de pesquisa e procure saber quais os principais autores, laboratórios e iniciativas científicas da área, para conhecer que língua o ajudará mais.
Em época de bolsas escassas, Ultramari defendeu que, antes de submeter um projeto a uma instituição de fomento, o pesquisador precisa ter claros os benefícios que a internacionalização trará à pesquisa. Ele deu como exemplo o fato de o Brasil ser “o verdadeiro laboratório urbano” para estudiosos do mundo inteiro.
“É uma dica: veja se as propostas podem ser feitas aqui, do ponto de vista ético e estratégico, até porque um estudo feito em outro lugar poderia dar menos visibilidade. Projetos precisam ser estratégicos”, destacou.
Quanto à procura por bolsas, o pesquisador aconselhou a “tentar de tudo”. Isso significa não desprezar bolsas disponibilizadas diretamente por universidades, fundações e órgãos internacionais. “Uma bolsa do Conselho Britânico [British Council] mudou a minha vida quando eu era recém-formado”.
Ultramari orientou pesquisadores para que, ao escolherem o programa, avaliem também a universidade e a cidade em que viverão. “Se o programa e a universidade estão só na média, ao menos a cidade deve ser rica. E dentro da mesma universidade pode haver programas e cursos bons, médios e ruins”, ponderou.


Políticas públicas sobre drogas
Os debatedores do tema foram o professor de Direito Penal Décio Franco David e o psicólogo Altieres Edemar Frei, doutorando no Programa de Pós-graduação da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Na mesa redonda de maior plateia da Siepe nesta terça, ambos os debatedores concordaram em criticar a concepção adotada no Brasil sobre as políticas públicas voltadas às drogas como problema social, ao mesmo tempo em que demonstraram pessimismo quanto ao avanço da discussão no momento político atual. “A luta agora é pelo que conseguimos conquistar, porque ‘o couro está comendo’”, avaliou Frei.
Frei lembrou que a abordagem regular dessas políticas no Brasil tem se baseado, desde a criação da “guerra às drogas”, nos anos 70 e 80, em uma construção social que engessa um assunto complexo em simples “proibicionismo”, que ficou ainda mais arraigado com a ascensão do conservadorismo na esfera política. “Droga não é radioativa, ela depende de uma escolha. Por isso não se justifica a ideia de ‘epidemia’ do ponto de vista de saúde pública”, sustentou.
Segundo Frei, a outra visão sobre o tema é a que defende uma política de redução de danos, que se consolida não somente no tratamento individual do abuso de drogas, mas como fundamento de políticas públicas. “Esse é o contra-vetor, o guarda-chuva interessante que veio para nos abrigar desse toró, dessa tempestade”, descreveu.
O psicólogo criticou o “binarismo” que o assunto suscita no Brasil, sob diversos aspectos. Foi incisivo ao afirmar que não há sentido em dividir as abordagens em “policial” e de “saúde pública”, porque nenhuma das duas é suficiente.
Um exemplo de binarismo citado por Frei são os quesitos usados para classificar uma pessoa como usuário (dependente) ou traficante. “Ao não escolhermos um critério legal para isso, damos abertura para ações policiais que dividem as pessoas com base na raça e na classe social”, disse ele, salientando que existem muitas outras formas de uso de drogas além dessas.
David ilustrou a discriminação latente na “guerra às drogas” citando um estudo da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que demonstra a disparidade do tratamento policial percebida em análises de fichas de interrogatório.
“Ficou claro que existe um perfil estruturado para quem será definido como traficante. Ele é negro, de classe baixa e sem ensino fundamental completo. Já o usuário é branco, de classe média e universitário. Um vai ser encaminhado para medidas socioeducativas e o outro será enquadrado em um crime equiparado a hediondo, com pena que inicia em regime fechado”, comparou. O professor ressaltou que esse conceito é tão veemente que os agentes partem dele para classificar as pessoas, assim como os juízes e a mídia.
Com base nisso, David acredita que “o Direito em si não quer acabar com o problema das drogas”. Nesse ponto, citou a filósofa Hannah Arendt. “O operador [da ‘guerra às drogas’] é o agente eichmanniano do nosso tempo. Ele sabe que o que faz é errado, mas o faz por força de um certo fetichismo punitivista”.
Camille Bropp Cardoso e Rodrigo Choinski